8.1.09

lá não tem céu


Tudo enterrado. Tudo enfurnado. Tudo se encolhendo e se retorcendo até voltar ao útero. Parece até que não vai caber botar tudo de volta. Parece até que cresceu demais. E põe pra dentro. Empurra. Aperta. Desnascer dói. Dói porque não se está indo em direção ao desconhecido, nem se está deixando o que não serve mais. Desnascer é desistir.

O pior de tudo é não ver mais o céu. É voltar pro escuro. Do escuro se nasce, mas quem garante? Nascer uma vez é o milagre. E um milagre, um verdadeiro milagre, jamais se repete.

Vou caminhando com passos muito lentos. Não tenho pressa, sou toda medo. O medo do que se conhece é muito pior. O medo do que já se viveu é muito pior que qualquer medo, porque já não se tem a mesma força para enfrentar. A força inexplicável que vem da surpresa. Eu não me lembro de querer nascer. Mas desnascer não é o que eu queria agora.

- Então não vai.
- Mas não se escolhe.
- Morrer não se escolhe. Nascer não se escolhe. Desnascer eu acho que se escolhe, sim.
- Será?
- Não sei. Eu acho. A gente tem que poder escolher alguma coisa nesta vida.
- E como eu vou saber? Tá me chamando. E se eu não for? Será que dá pra não ir?
- Não sei. Tenta. Vamos ver se dá. Vamos ver o que acontece.
- Eu não sei de ninguém que tentou.
- Nem eu.
- Então.
- Mas alguém sempre tem que tentar. Ser humano é assim, né. Tenta tudo.
- Eu sei. Mas aí a não desnascer... o que eu vou virar se eu não desnascer? O que vai ser da minha alma? Vai andar retalhada por aí? Vai mendigar? Vai se arrastar até chegar a hora? É capaz da hora nem chegar. É capaz da hora esquecer. E então eu nunca mais vou ser alguma coisa. Vou ser pra sempre o que já foi. O que não voltou a ser. O que não tem forma ou cheiro ou cor. O que ninguém entende. Já imaginou ser pra sempre o que ninguém entende? O que é demais pro discernimento? O que vai além do que existe? Eu não vou conseguir caminhar por aí sendo uma coisa que não é. Não vou. Eu não tenho força. Eu só sei ser, só isso. Não sei não ser. Quem é que sabe? Não sei de ninguém que sobreviveu a não ser.
- Tenta.
- Não dá.
- E vai ficar lá sem sol? Sem estrela? Sem céu? Sem mim? Isso não é tipo não ser? Não dá pra ficar aqui de algum jeito e dar um jeito no jeito que ficar?
- Olhando pra ti parece até que dá.
- Tenta. Não desnasce agora. Não se embrulha toda. Não volta pra lá. Vem. Segura em mim. Fica aqui. Lá não tem céu. Lá não tem eu.

4 comentários:

  1. Ai que angústia me deu ao ler seu texto... E ela foi aumentando com a inserção do diálogo. Isso me fez lembrar das fases negras que costumo passar de vez em quando. Praticamente fazem parte de mim... Aquela fase que a gente sente chegar, sabe onde vai dar, mas nem sempre tem forças pra evitar. Porém acredito que seja uma escolha. Definitivamente é uma escolha. Uma escolha que dói se caminharmos para um lado ou para outro. Talvez seu desnascimento não tenha nada a ver com isso. Afinal, nascer, desnascer e morrer é sempre individual e intransferível. Sou a favor de escolher o céu. E tb a pessoa com quem o personagem dialogou. :-)

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  2. A filosofia em diálogo... desnascer... seria um caminho de volta, ou sem volta ou pra lugar nenhum?
    Gostei do texto e gostei demais de te ver seguindo o Minimínimos!

    Depois o Uni-verso In-verso e do Contos & Encontros optei por compartilhar um blog com amigos, uma vez por semana.

    Beijo

    Sílvio

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  3. Olá!

    Você conhece o livro "Mulheres que Correm com os Lobos"?

    Me interessei muito por ele logo que comecei a ler suas primeiras páginas. E desde lá tenho procurado fóruns para trocar opiniões, porém não encontrei nada.

    Então fiz um blog para que nós, mulheres, possamos ter a oportunidade de compartilhar nossas idéias a respeito dos contos deste fantástico livro!

    Se quiser conferir:
    lobasquecorrem.blogspot.com

    Um abraço!

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  4. Desnacendo! Menina
    de sardas, como eu gosto de suas "pensAções"... Lá não tem céu mesmo, fique!
    Adorei!
    Beijos!

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Coisa boa saber tua opinião.

não se nasce mulher, torna-se mulher [simone de beauvoir]