1.8.07

cresça, camila, cresça



Cortei o cabelo. O cabelão. As madeixas longas e cacheadas que conservava como um romance antigo e poeirento. Cortei o peso que me ancorava a uma imagem ultrapassada. Enjoei gradativamente do meu significado. Passei a tesoura no que a minha figura queria dizer.

Não foi um arroubo de coragem. Não foi uma rebeldia fora de época. Não foi o chamado para uma revolução das filhinhas de papai do mundo. Foi apenas um mínimo e solitário ato de libertação. Não foi um grito; foi um sussurro. Foi um cutucar sereno nos ombros, me chamando para o presente, desamarrando fio a fio que me prendia ao passado. Cresça, Camila, cresça. Eu poderia escrever esse filme.

Cortei aquele cabelão que me fazia parar tudo para lavar, desemaranhar, secar, encher de creme, pentear. Cortei aquele cabelão que me fazia gastar o dobro de dinheiro na cabeleireira. Cortei aquele cabelão que deixava o meu rosto magro mais magro, a minha preguiça mais preguiçosa, o meu pouco tempo ainda menor. Cortei aquele cabelão que apontava constantemente para baixo e me fazia parecer muito próxima do chão.

Ainda gosto de cabelão. Vejo na rua e babo. É lindo. Observo as meninas de cabelão e imagino que estão exatamente em seus tempos. Descubro as senhoras de cabelão e fantasio sobre o que foi feito dos seus tempos. Será que o cabelão sobreviveu à maratona da vida? Será que o cabelão voltou como um segundo grito de liberdade?

Porque eu demorei a crescer. E cortar o cabelo é o marco da minha transformação. Mas, quem sabe, um dia não quererei voltar a mostrar a menina na forma de um cabelão. Porque a menina ainda está aqui. A princesa dos contos- de- fada. A filhinha do papai. Está aqui, sim, é claro. O que há de bom não se troca; se soma. A menina vive bem aqui: dentro da Mulher de Sardas, esperando pelas próximas que virão.

Eu só preciso de um transplante de cordas vocais para combinar com o novo visual.

2 comentários:

  1. é... mudar o visual é muito bom. eu adorei o teu novo corte. ficou moderno. adulto. sei lá. ficou legal.
    quando eu decidi cortar as minhas madeixas, foi um alívio mesmo. me senti uma nova mulher (apesar dessa minha cara de guria..hehe).
    mas, no meu íntimo foi um grito de liberdade.
    beijos.bina

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  2. intiresno muito, obrigado

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não se nasce mulher, torna-se mulher [simone de beauvoir]