10.7.07

arquivos setembro 2005

quinta-feira, 22 de setembro de 2005

QUASE VILÃS
Gosto das heroínas difíceis. Perguntei pro meu namorado: por que será? Ele deu uma risadinha. Romance, para ser bom, tem que ter uma heroína geniosa, explosiva, que por pouco - por muito pouco - não é a vilã.

Scarlett O'Hara.
Linda, esperta, rica, mimada, infantil. Todos a queriam e ela sabia muito bem o que fazer com essa informação. Tinha o mundo aos seus pés, incluindo todos os homens que viviam nele, a começar por seu pai. Inventou um amor não-correspondido, só para dar graça a sua vida de dengos. Por alguma coisa ela tinha que fazer beicinho... E fez em "O Vento Levou..." inteiro. Scarlett não queria nada da vida além de festas, espartilhos apertados e um marido. Ou dois. Ou três. Então veio a Guerra Civil e fez dela uma lutadora, uma verdadeira guerreira, enfim, a heroína do filme. Ela cuidou dos soldados feridos, cuidou da esposa do amor de sua vida, fez o parto do filho do amor de sua vida, cuidou da casa de sua família - a épica Tara - e por suas terras passou fome, matou, chorou, se humilhou, se vendeu, se vingou, se entregou a Rett Buthler e não teve mais sossego. O melhor é que ela passou por tudo isso deixando claro que era contra a sua vontade, que por ela continuaria sendo a filhinha-rica-mimada-que-tinha-tudo-de-mão-beijada do início do filme, que por ela a Guerra que se danasse, os ideais que se danassem, o mundo que se danasse e não a importunasse. Palmas a Ms. O'Hara por sua sinceridade.

Catarina Earnshaw.
Ou Linton. Ou Heathcliff. Só pela quantidade de sobrenomes dá pra perceber que ela infernizou a vida de alguns rapazes por sua saga. A heroína de O Morro dos Ventos Uivantes era o diabo encarnado. Amarrou a alma de Heathcliff na sua e quem disse que largava! Pisava, pisoteava e ainda dava cuspidelas em cima. Arrastou o moço por onde foi e ele, mesmo todo esfolado, não deixou de segui-la nem depois de morta. Queria mais. Queria o espírito de Catarina encarnado em qualquer coisa que ele pudesse machucar. Sim, machucar, pois eis que o fulano não deixava a dever nada pra ela em matéria de gênio ruim. Relacionamento difícil o daqueles dois. E apaixonante. Quanto mais se lê, quanto mais ruindades se descobrem em Catarina, quanto mais cruel ela se mostra, mais se adora sua vivacidade, sua força, seu magnetismo. Catarina é deliciosamente má. E não vê motivo nenhum para esconder isso. Palmas a Ms. Cathy por sua verdade.

Emília, a Marquesa de Rabicó.
Boneca feita de pano, toda de pano, logo, sem coração. Sentimento é coisa que passou longe daquela lá. Uma "diabinha", como carinhosamente é tratada pelos habitantes do Sítio do Pica-Pau Amarelo, apelido que não dissimula a verdade. Emília é esperta, perspicaz e audaz; sempre a primeira em tudo e pra tudo; toma a iniciativa em qualquer situação, por ela e pelos outros, pois decide quem vai, quem fica, quem não tem que se meter na história. Emília não tem pena e humilha sem dó seus companheiros, nada a sensibiliza, nada a move de sua soberania e despotismo. Através da língua afiada e das ações insensíveis de Emília que Monteiro Lobato fez o que quis, disse o que quis, desafiou quem teve vontade. Aproveitou-se do carisma da boneca falante para pintar o sete no cenário político-social brasileiro da época, como se todas as críticas mordazes que saíam daquela boquinha de pano não passassem de brincadeiras infantis, ingênuas e sem maiores objetivos. Emília, brinquedo por excelência, objeto teoricamente inanimado e, portanto, desprovido de responsabilidades, atingiu imunidade máxima e deitou e rolou na cabeça de quem bem entendeu. Inclusive dos seus leitores. Palmas a Senhora Marquesa de Rabicó por sua atitude.

Como vêem, tenho motivos de sobra para amar minhas heroínas, por mais difíceis que elas sejam. Elas são imperiosas, voluntariosas e perigosas - como qualquer vilã; mas se guardam o direito de cometer as maiores atrocidades do mundo abusando do jeitinho meigo, dos olhares doces e do sorriso estonteante - como qualquer mocinha.

quinta-feira, 15 de setembro de 2005

SOUL KEEPER
No começo do blog eu escrevia muito a respeito de filmes. Talvez por timidez em já sair logo de cara expondo meus textos ou discorrendo sobre assuntos pessoais. E desde lá faz muito tempo que não retomo o tema. Hoje, gostaria de escrever sobre um filme que assisti no feriado da Pátria, que foi mais feriado do que Pátria, pois só o que eu queria era descansar de tudo, inclusive da Pátria.
Jornada da Alma é o nome do filme. Na verdade, Soul Keeper, o guardião da alma (ou guardiã, como verão), é a história de Sabina Spielrein, uma garota russa de 19 anos que sofre de histeria grave por um motivo clássico: violência e abuso do pai. Ela é internada em um hospital psiquiátrico em Zurique e atendida pelo jovem médico Carl Gustave Jung.
Jung, aluno e xodó de Freud, experimenta no tratamento de Sabina, pela primeira vez em sua vida, as técnicas de psicanálise ensinadas por seu ilustre professor. Convencido da idéia de que toda cura envolve amor, o médico vai um pouco além das medidas e assim que confere alta à paciente, atira-se de corpo e alma nos seus braços.
E é assim mesmo que acontece. Ele é quem a procura, ele é quem a beija, ele é quem rompe as regras da ética profissional, ele é quem nu e desesperado absorve Sabina inteira para si, buscando na inocência da força dela a sua própria cura. Sabina duas vezes enlouquece e duas vezes se salva. A primeira por falta de amor e a segunda por causa dele. É como se não fosse o médico que a curasse e sim, ela que o utilizasse como instrumento para fazê-lo.
Sabina não precisava de Jung, precisava de um sentido. Jung não precisava de Sabina, precisava sedar todos os sentidos.
Ela, então, desiste de remediar o que não tem remédio e parte para ser uma pioneira na modernização da educação infantil. Até morrer por isso, praticamente anônima, fuzilada por nazistas.
Adoro histórias de mulheres fortes. Principalmente dessas que a História esconde nas brumas do machismo. O filme pode não ser todo ótimo, pode ter problemas no roteiro, pode ter subestimado pontos fortes. Mas revelou Sabina, sua loucura, seu amor, sua surpreendente trajetória na psicanálise, sua força em se desligar do abraço fetal de Jung antes de tudo desabar.
Porque toda cura envolve amor. Amor por si mesmo.

terça-feira, 6 de setembro de 2005

Para Eddu, que me trouxe o 4;
Para a linda Nati;
Para o querido Rafa;
Para o doce casal Alice e Rodrigo;
Para o gênio Juca;
Para o meu último romance, Caio...

DOCES DELETÉRIOS

Demorei para escrever sobre o novo CD da Los Hermanos. "Sei lá", como diria Rodrigo Amarante. Não é fácil escrever a respeito de algo único e mágico e sincero em tempos tão pra lá de difíceis. Dá-me luz, ó deus do tempo! Não que a banda seja o melhor de tudo o que há. Mas só eu sei, nos mares por onde andei, eu nunca vi nada igual.
Esperei o momento do show para tentar escrever. Assisti-los ao vivo, quem sabe, facilitaria as coisas para esse texto há tanto travado em meu Word... Mas sei que o daqui temou de vir tenaz assim, feito passarim. Não conseguia mais escapar, tinha que escrever e descrever o que vi. Pensei: depois eu te escrevo e te conto o que eu vi e me mostro de lá pra você. Mas a apresentação foi perfeita e minhas palavras seguiram embargadas, tanto que demais via em tudo céu, fiz de tudo cais, dei-te pra ancorar doces deletérios.
E você que me lê e nunca parou para escutar Los Hermanos, vai ver, o acaso entregou alguém pra lhe dizer o que qualquer dirá. Não resista. Coloque o disco na vitrola. Se entregue às doces dores rasgadas de Amarante; se abandone às buarquianas construções de Camelo. Viver Ventura foi perfeito; o 4 é a continuação. O que virá depois? Deixa o amanhã e a gente sorri que o coração já quer descansar... Pois tanta beleza, às vezes, pesa na alma. Não tente me convencer que eu exagero. É que eu já sei de cor qual o quê dos quais e poréns, então, nada do que você disser me moverá. Só os pássaros vêm me levar aí visitar o céu. E me levam já ao soar dos primeiros acordes...
Hoje, finalmente, encaro a tarefa de escrever um pouco sobre Los Hermanos. Não sou uma fã alucinada, desvairada, descabelada, até porque não cabe para a situação. Levo assim calado de lá tudo que sonhei um dia. Serenamente adoro Los Hermanos. Seus sons, suas letras, suas vozes. Seu jeitinho de dizer as coisas mais bonitas como se nem fossem tão bonitas e como se nem mesmo estivessem dizendo. Meu Deus, eu pergunto, como pode alguém sonhar o que é impossível saber?
Sua própria melodia é que suavemente conforta meu indagar, afinal, como ouço todos os dias do singelo e profundo sussurrar em meus ouvidos, é morena, tá tudo bem, sereno é quem tem a paz de estar em par com Deus. Escute e terá também.

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não se nasce mulher, torna-se mulher [simone de beauvoir]