11.7.07

arquivos junho 2006

segunda-feira, 26 de junho de 2006

AS CAVERNAS
O mundo inteiro respira o ar do medo. De medo, nos embebedamos. Com medo, fazemos amor e dormimos. E o mundo inteiro parece mais unido com o medo como laço. Ah, meus irmãos judeus, meus irmãos amarelos, meus irmãos qualquer-cor, temos o medo como pai. Enfim, somos todos iguais.
É quase meia-noite em todas as nações. É quase meia-noite em todos os corações. Por esse mundo, Osamas têm cavernas úmidas e, de lá, com corações sólidos e preces subterrâneas, tecem futuros escombros, futuras saudades, futuros rios rubros em nome da ilusão. A ignorância move esse mundo! Não fiquemos surpresos. A ignorância sempre guiou o mundo e até mesmo a razão. Fomos todos gerados pela ignorância. Essa mãe velha e gorda.
Nessa terra de palmeiras já escassas, homens em brutas jaulas criam o terror. Homens em brutas jaulas têm muitos ouvidos. E esses ouvidos escutam e são cegos fiéis. Mas há muito silêncio em São Paulo. Tem muito silêncio nesse mundo. Há uma descrença apocalíptica e um medo terrível dos segundos. Somos todos tão iguais. Somos todos homem-bomba. E com o medo e a ignorância como herança, ditamos nossos dias. E tu, não esqueças, também és um terrorista. Tu és o maior sabotador dos teus caminhos.

* Texto escrito pelo Homem da Mulher de Sardas *

quarta-feira, 14 de junho de 2006

ANTITORCIDA ORGANIZADA
Gosto de futebol tanto quanto de outros esportes: praticamente nada. Não entendo a razão de tanto grito, tanta torcida, tanta devoção, como se um jogo fosse mudar alguma coisa, seja na vida particular, seja no Universo. Copa do Mundo não faz o menor sentido para mim. Inclusive, prefiro as Olimpíadas. Além de unir todas as nações, ainda une todos os esportes. E aí, sim, a festa faz algum sentido.
Em dia de jogo do Brasil na Copa do Mundo, eu cumpro um ritual que é só meu: arrumo coisa melhor para fazer. E para fazer sozinha, pois é óbvio que mais ninguém do meu círculo de relacionamentos partilha da mesma posição. E ainda por cima bradam aos quatro ventos que o futebol é mania nacional! Isso mexe profundamente com os meus brios. Afinal, tenho manias muito mais interessantes do que ficar assistindo aquele bando de garotos riquinhos que não fazem nem a obrigação. Ora, por um salário infinitamente menor eu entro em campo oito horas por dia, todos os dias, na raça e sem amarelar.
Imagino que deixei evidente a minha antitorcida pela Seleção Brasileira ontem à tarde. Só gostaria de acrescentar que não é birra, não. É pura falta de vontade. Hoje em dia o futebol tem um quê de eleição para mim. Sempre a mesma coisa, sempre os mesmos interesses, sempre o mesmo discursinho barato. Se o Ronaldo está gordo, se o Lula bebeu, pouco me importa, não dá mais nenhum tesão acompanhar esse tipo de notícia. A mídia já obteve de mim a cota máxima de burrice. Meu cérebro está tão debilitado que nem essas informações vazias ele computa mais.
Mas não quero deixar ao mundo uma imagem antipatriota da minha pessoa. Sou uma chata, não uma pária. Tenho lá meu orgulho ufanista. Tenho sonhos para a minha nação. É sério. Gostaria, do fundo do meu coração, que o povo brasileiro usasse esse exuberante verde-e-amarelo todos os dias, especialmente no próximo mês de outubro. Gostaria que o povo brasileiro fosse brasileiro assim: até a alma, o tempo todo, em qualquer lugar. Gostaria que o povo brasileiro fosse furiosamente exigente não só com juizes e jogadores (nem somos nós que pagamos por aquilo tudo! O salto alto que patrocinamos está em campo aqui em Brasília e não na longínqua Alemanha). Gostaria que o povo brasileiro fosse mesmo do jeito que mostram nos comerciais: sempre abraçado, sempre cantando, sempre amando como se não existissem torcidas organizadas rivais, PCC, corrupção, desemprego, miséria, bandalheira e o diabo a quatro. Gostaria que o povo brasileiro se unisse diante de muitas outras situações, não só de quatro em quatro anos, não só ao redor da TV.
Não tenho mais estômago para esse tipo de programa. Quero saber um pouco de pão, porque de circo, já estou até aqui.

quinta-feira, 8 de junho de 2006

Saudade é assim mesmo
Uma coisa estranha de sentir
Saudade daqui dali
Saudade de lá
E de dentro
Vem saudade de repente
De gente que nem se sabe mais
Gente que morou na infância
E se perdeu no mundo
Vem saudade atropelando
Tudo que há
Saudade do amor que acabou de sair
Mas qualquer demora é longa para esperar
Dá saudade da gente
Da gente mesmo
Que às vezes a gente esquece
E sabe lá Deus por onde esquece
E fica tão difícil voltar para buscar
Tão difícil achar
Ainda mais difícil trazer de volta
Porque tem dias que a gente vai
E não quer voltar
Não quer mesmo
Nem que paguem.

quinta-feira, 1 de junho de 2006

- Texto reescrito para a oficina de crônicas do Walter Galvani, da qual participo.

VÔO HOMEOPÁTICO
O que é isso que acontece em nosso interior? O que é isso que nos conduz, move, impele a viver feito loucos, conscientes da finitude de ser; inconscientes da ilimitude do ser? Dentro de nós, um labirinto de portas. Portas abertas e portas fechadas. Portas entreabertas e portas mal fechadas. Ao redor, o caos organizado do mundo, onde tudo se explica, tudo se encadeia, tudo se enquadra no conceito de ação-reação. Pois há ações, dentro de nós, que não correspondem a nada. Que se perdem, sorvem, fundem em nossas entranhas.
O que desprende um sentimento incrustado? O que liberta um trauma arraigado? O que cura as feridas da alma? Um livro, um filme, uma música, uma pintura muda e palpável, ali, à frente de nossos olhos, expondo concretamente, nós. Nada mais nada menos que nós.
A arte alivia o ser. E não que seja esse seu objetivo. É, antes, sua conseqüência. Ao "fazer" arte, caçamos em nosso labirinto aquela coisa amorfa que não sabemos definir, que muitas vezes machuca, corrói, dói, laçamos e arremessamos para fora. Não para nos livrarmos dela. Não, jamais nos livraremos dela. O que tentamos, em desespero, é enxergá-la cara a cara, ao menos uma vez. Só pra saber como ela é. Só para podermos possuí-la novamente, então com o aval do mundo. A arte não ultrapassa o homem; o homem resiste na arte. Pois nada mais eterno que a dor solidificada.
Procuramos a arte da maneira que podemos. Da maneira que nos consideramos aptos. E o encontro é inevitável, pois a arte é inerente ao homem. Pode ser um encontro passivo e silencioso, expresso simplesmente em uma boa leitura, em uma interessante exposição, em uma improvável escultura bem no meio da praça. Algumas pessoas encontram sossego em observar a arte, sem nunca tocá-la. Outros, porém, mais atrevidos, desprovidos de pudor, querem mais do que tocá-la, querem despi-la, sugá-la, explorá-la de qualquer maneira, da maneira que der, com tatos e olfatos, com penas e tintas, com cores e pincéis, ansiando alcançar o desassossego divino dos que pensam, a insana paz dos que criam, o misterioso ingrediente terapêutico e curador disfarçado em um curso de pintura em vidro, em uma aula de tuba, em uma oficina de crônicas.
Participo da oficina de crônicas do Walter Galvani para curar alguma coisa aqui dentro que pinica, coça, arde e que até dói, mas que médico nenhum diagnostica ou trata, pois só algumas gotinhas de essência de asa de gaivota, toda quarta-feira, podem curar.

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não se nasce mulher, torna-se mulher [simone de beauvoir]