segunda-feira, 20 de fevereiro de 2006
WILD HORSE
O amor é estranho. Não dá para saber o que vai acontecer. Não dá para prever o futuro, para se preparar para o pior, para se precaver contra surpresas inesperadas. Quando tudo vai bem no amor, quando as coisas vão de vento em popa, ninguém lembra de estocar comida e perdão para os tempos de vacas magras. Ninguém esconde dinheiro e carinho embaixo do colchão contando com a queda da bolsa. Ninguém cava um abrigo secreto para se esconder do próprio coração quando ele resolve explodir.
Ao montarmos no amor deixamos ele nos carregar feito um cavalo selvagem. Não nos preocupamos com o destino, com a velocidade vertiginosa, com os tropeços, com os buracos do caminho. Montamos nele nu em pêlo, nos agarramos em sua crina, batemos com força os calcanhares em seu lombo para que vá mais e mais rápido. Ao montarmos no amor queremos a excitação do medo, a sensualidade do risco, o cheiro forte que emana do animal e anestesia nossos sentidos. Ao montarmos no amor deixamos o corpo mole para moldar-se no seu galope. E vamos com ele seja lá para onde for.
Então vem o primeiro tombo. Não por descuido, pois até aí o cuidado nunca existiu. O primeiro tombo vem de supetão, com força, o primeiro tombo nos arremessa a quilômetros de distância do amor. E então, caídos, o enxergamos como realmente é. E não temos nada nos bolsos para pedir que volte. Não lembramos de guardar beijos nem abraços nem torrões de açúcar. Estamos surpresos, despreparados, desorientados. E o cavalo selvagem, quando sozinho, se aquieta, descansa e pasta. Nós o observamos e pensamos: como ele pôde me derrubar? Tão bonito, tão calmo, tão admiravelmente belo. Como pôde?
(E mesmo desconfiados e magoados, nos rendemos. E montamos novamente. E vamos. Porque o amor é ainda mais irresistível quando cruel.)
O amor é um cavalo selvagem. Não controlamos, não compreendemos, não temos a menor chance de domar. Não temos a menor chance mesmo. E é bem por isso que o fascínio só aumenta. Você já viu um cavalo selvagem? Dói de tão bonito. Sabemos que ele nunca vai ser nosso. Sabemos que nunca poderemos mandar nele e fazer com que ele nos leve para onde quisermos. Sabemos que nunca estaremos prontos para encará-lo. Mas o desejamos assim mesmo. Nem que seja para seguirmos levando tombos para todo o sempre. Porque o amor tem disso: até quando derruba é bom.
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