11.7.07

arquivos agosto 2005

quarta-feira, 30 de agosto de 2006

Qual o problema de amar?
Tem gente que tem vergonha de amar. Que esconde. Que quando alguém chega perto, disfarça a voz de neném, separa do beijo molhado, devolve as mãos para o bolso. Em compensaçõ, tem gente que não tem vergonha de exalar grosseria, de gritar preconceito, de disseminar humilhação. Tem gente que acha bonito a distância. Tem gente que acha chique separar.
Mas qual é mesmo o problema de amar?
Em algum momento definiu-se que amar não é legal. Que amar demonstra fraqueza, que amar, assim, em público, para todo mundo ver, é praticamente bancar o palhaço. Tem gente que acha o amor uma dor de cabeça, algo a ser resolvido, superado, transposto. Um engodo. Tem gente que chega a evitar o amor, para se "preservar". Que coisa. Hoje em dia, o que parece, é que amar é brega. Amar é brega?
Depende.
Amar escandalosamente, amar de corpo em corpo, amar a Deus dará é muito cool. Porque nosso mundo é feito de extremos. Se o caso é amar, tem que amar com desespero, tem que fazer da vida uma maratona amorosa, tem que deixar rolar tudo o que tiver que rolar. Aí sim, o amor é fashion. Aí sim, o povo vai, além de aplaudir, imitar.
Então esse é o problema de amar! Amor comum, amor de brilhar os olhos, amor de rir à toa, amor de falar bobo... Não tem graça. Não é notícia. Não move o mundo.
Amor faz toda a gente ser gentil e para que serve a gentileza em uma sociedade dura? Em uma sociedade onde vence quem tem menos escrúpulos? Quem pisa nos outros com mais desenvoltura e menos piedade? Pisa e ops... Nem vi! Pisa e ops... Já era. Amar, todo mundo ama.
Só que cada um escolhe a maneira de amar. Amar pode ser feio, sim. Tem gente que ama de um jeito que seria melhor até nem amar. Tem gente que ama doído, amargo, cruel. Tem gente que confunde amar com odiar. Tem gente que nunca foi amado e acaba achando que qualquer porcaria que fizer já está de bom tamanho. Só que não está.
Tem que amar direito.
Tem que pegar o amor que sente e transformá-lo. Porque o amor é moldável. O amor é uma massinha de modelar. Dá para pegar o amor de dentro do peito e transformar em um bom-dia, em um agradável ambiente de trabalho, em uma visita aos amigos, em mais amigos, em um favor a alguém que precisa, em um cumprimento na rua, em um "pode passar" para o outro motorista, em um afago na família, em uma história engraçada, em um consolo, um conselho, um elogio, em uma palavra de incentivo, em um ato humanitário, em um voto consciente, em defesa dos direitos de todos sem levar em conta os interesses individuais, em boa vontade para ajudar, em consciência, em bondade, em bem-querer, em um dia maravilhoso, em uma alegria constante, em beijos longos e ardentes, em filhos cidadãos e boa gente, em um abraço gigante que alcance o mundo e a vida e a própria existência.
O amor não tem problema, não. O problema é não amar.

quarta-feira, 23 de agosto de 2006

ERA VIDRO E SE QUEBROU
Paro para uma música e o tempo passa. Paro para um pôr-do-sol e o tempo passa. Paro para um capítulo da novela e o tempo passa. Paro para um domingo e o tempo corre. Paro para beijos e o tempo nos envolve e leva, pois não há tempo para beijos. O amor não cabe mais em tempo algum.
E quando me encontro com o espelho sou como um golfinho e os cientistas são capazes de jurar que posso me reconhecer, mas não me reconheço nunca. Apenas me surpreendo com as inegáveis semelhanças.
Quem dera ser ela do espelho e ser nova a cada encontro. Eu sei que sou a mesma sempre; sempre um pouco mais velha, um pouco mais no tempo do próprio tempo. Enquanto ela... Surge e desaparece como um reflexo do sol.
Ela se renova; eu me procuro. O vidro é capaz de quebrar.
O tempo escorre como água pelas minhas mãos e tento retê-lo, mas tudo o que toco se desfaz em cheiros de anos atrás. 2006... 26... Parece pouco para quem vai lá adiante, mas a vertigem é a mesma, o tempo é o mesmo e o passado engorda a olhos vistos.
Onde fica o freio? Nunca fui boa nessa coisa de dirigir seja lá o que for.
Minhas mãos vão soltas e sacudindo acima da cabeça e a montanha-russa me toma sem a adrenalina de outras tardes. Não há mais graça em perder o controle. Pare aqui mesmo que eu quero descer. Daqui para frente será só o tempo rasgando a escuridão universal. Não quero ver. Não quero ficar para ver.
E a escrita segue iludindo o ser eterno, mas nem mesmo a escrita agora sou eu. Cada papel é um novo papel e ainda que amarelado, cada leitura é e será sempre uma nova leitura.
Renascendo do próprio fim. Da última palavra. Transbordando do aquário. Recriando o que saiu de mim que sou o tempo e como o tempo, passo.

sexta-feira, 18 de agosto de 2006

QUASE LETRADA
Vou me formar em Letras este ano. Hoje me bateu a dúvida: o que serei? Quando eu tiver que preencher um cadastro e perguntarem: profissão? O que eu responderei? Professora? Parece óbvio para vocês, não é mesmo? Pois saibam que não é.
Ingressei no curso há quatro anos e meio tendo certeza absoluta de que NÃO QUERO e NÃO VOU ser professora. Todo esse tempo e alguns estágios depois assinaram embaixo da minha decisão. Nada mudou e eu não serei professora. Serei... Sei lá o que serei. Uma Formada em Letras. Uma Estudiosa das Letras. Uma Letrada.
Cursei Letras porque não gosto decididamente de mais nada. Quando era pequena respondia, sempre, à fatídica pergunta: escritora! Quando crescer quero ser escritora! Na minha cabeça, bastava aprender a escrever para ser escritora. Aprendi e não virei. Cursei o Fundamental e não virei. Cursei o Médio e não virei. Bem, arrisquei Letras, porque pelo nome parecia propício. Era a última tentativa e é agora que vamos ver. Incrível a sensação que sinto agora. Continuo sem saber o que serei quando crescer, mas com um agravante: eu já cresci. E estando bem crescidinha, está na mais do que na hora de decidir.
Não sei exatamente o que serei após o fim deste ano que, para a minha vida, é ímpar. Vou me formar em Letras, vou seguir Leitora, vou seguir Letrando. Um pouco aqui e um pouco ali, pinceladas do que vi, ouvi e li nesse período. Pinceladas do que aprendi. Do que senti. Do que cresci. Porque oh sim, eu cresci.
Será um final de ano complicado, estressante, talvez desesperador. Haverá estágio, trabalho de conclusão, diploma na mão e cara pra bater. Haverá momentos de decisão, de indecisão, decisivos. Haverá momentos em que só eu poderei responder por mim. Haverá muita sessão de descarrego neste blog.
Dá um medo maluco pensar em tudo isso, mas como muita gente diria, faz parte, a vida é assim. Enquanto ela não pára a gente também não pára, a gente corre, a gente tenta alcançar. E o medo não trava, ao contrário, empurra, o medo faz a gente nem olhar para baixo antes de se jogar. Vou me formar neste ano. Vão acabar os professores, os trabalhos, os prazos, as cobranças. Vai acabar o resquício de infância que a Universidade carrega com seus colegas, recreios e curtições. Vão acabar os beijinhos no namorado a cada folguinha (pois sim, ele também é um quase Letrado). Serei só eu e o que aprendi. Serei só eu e o que estou pronta para aprender.
Serei só eu, as Letras e o mundo inteiro que o conhecimento coloca aos meus pés.

quarta-feira, 2 de agosto de 2006

Em tempos de centenário, aqui vai o meu quintanar...

SELVA SELVAGGIA
Mario Quintana
As palavras espiam como animais;
Umas, rajadas, sensuais que nem panteras...
Outras escuras, furtivas raposas...
Mas as mais belas palavras estão pousadas nas frondes mais altas, como pássaros...
O poema está parado em meio da clareira
O poema
Caiu
Na armadilha! Debate-se
E ora subdivide-se e entrechoca-se com esferas de vidro colorido,
Ora é uma fórmula algébrica
Ora, como um sexo, palpita... que importa
Que importa qual seja enfim o seu verdadeiro universo?
Ele em breve será inteiramente devorado pelas palavras!

Do livro "Esconderijos do Tempo" Editora Globo, Porto Alegre, 1980.

O COISA RUIM
Mulher de Sardas
Existem palavras e palavras, ilustríssimo senhor Mario Quintana. E eu garanto que nem todas são insinuantes e belos animais felinos. Nem todas são espertas e misteriosas raposas. Nem todas, aliás, quase nenhuma, são aves graciosas a sobrevoarem nossas cabeças.
Eu também garanto, prezado Mario Quintana, aqui, do auge da minha experiência, que nem todas as palavras refletem o perfeito caos das cores e das formas de um caleidoscópio. Nem todas as palavras alcançam a embriagante certeza algébrica. E caro Mario, eu sei o quanto é ridículo ruborizar na minha idade e na minha época, mas, aposto um quindim que nem todas as palavras são capazes de pulsar como um sexo em desejo. Tudo o que sei, mestre, é que existem palavras e palavras. E cabe a mim a dura tarefa de preveni-lo que a maioria delas - sem querer fazer intrigas, é claro - não passa de pequenos demônios sorrateiros, que levam a vida a esconder do homem o que mais lhe é de direito neste mundo: o pensamento.
Ora! O homem pensa pela palavra. Caso essa lhe falte... O que se dá?
Exatamente o que vemos por aí: poetas errando pelo mundo, a vagar pelo árido deserto da falta do que dizer. E por isso eles falam sempre e tanto do amor, da vida e da pátria. Mas cá entre nós, amigo, desses falam muito melhor o beijo, o gozo e o gol.
Pequenos demônios soltos pela selva humana. A humanidade querendo a qualquer custo se explicar, mas e as palavras, onde estão? A humanidade querendo a todo pano se entender, mas e as palavras? O que foi feito das palavras? Ninguém sabe e ninguém viu. Elas se escondem e se divertem com o nosso desespero; elas nos desnorteiam e nos fazem girar feito cataventos em dia de ventania. E às vezes, querido poeta, nós, normais e mortais, até esbarramos nelas, até as sentimos passar rente aos nossos dedos a ponto de causar calafrios e, até, em momentos de súbita e arrebatadora inspiração, as conseguimos capturar! Porém, depois de devidamente agarradas e aprisionadas no branco do papel, quando lhe damos uma forma seja lá de poema, crônica ou romance, quando conseguimos finalmente examiná-las bem de pertinho e então as lemos, relemos, trocamos uma para cá, outra para ali, damos uma ajeitadinha, uma melhoradinha, uma segunda mão de verniz e hum... Não adianta. Elas não passam de filhotes.
As palavras boas mesmo, as gordas que dão bom caldo, as machadianas, as lispectorianas, as guimaranenses... Ah, essas! Essas não se vêem mais por aí, andando de bengalinha pela Rua da Praia, dando sopa como antigamente. Foram todas perdidas nos esconderijos do tempo. Todas guardadas nos espantosos baús dos gênios que não voltam mais. E quem cai na armadilha sou eu, mera aprendiz de feiticeiro, debatendo-me em vãs tentativas de alcançá-las, elas, as palavras todas, o fantástico e demoníaco batalhão das letras, que me encanta e me incita a escrever, escrever e escrever. Mas o que deve te importar esse amontoado de besteiras que profiro? Marinho, Marinho... Com todo o meu respeito, se as palavras não passam de pequenos demônios, é você o coisa ruim em pessoa, aquele que rege o concerto, que manda e desmanda, que faz e desfaz. Lúcifer, Diabo, Satanás.
E quem me dera ter um espelho mágico capaz de refletir em mim tamanha ruindade...

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não se nasce mulher, torna-se mulher [simone de beauvoir]