– Pai, você tem de ir.
Mariana segurava o rosto do pai com as duas mãos suaves e o olhar firme. Júlia, sentada na cadeira da mãe, entrelaçava as pernas como se fossem de borracha, mordia os lábios como se fossem culpados. Pedro estava na porta da varanda, virado para a rua, tamborilando os dedos na madeira. Pedro chorava. Mariana disse:
– Olha o estado desta casa, pai! Desde que a mãe. Desde que ela. Você não cuida mais de nada, pai. Tudo sujo, quebrado, desfazendo-se a cada dia... – caminhava e apontava ao redor com as duas mãos. – Pai, nós não podemos ficar com você. Todos nós trabalhamos o dia inteiro e você ficaria sozinho. Como aqui. Sem ela. Sem ninguém. O senhor entende?
O pai baixou os olhos. Mariana perguntou a Pedro se ele concordava. O pai buscou o filho. Pedro tentou se virar, mas não pôde. Os ombros sacudiram. Tamborilou mais forte.
Mariana e o pai voltaram-se para Júlia. Mariana repetiu a pergunta. Se Júlia não achava a mesma coisa. Se o pai não ficaria melhor morando lá. Bem cuidado e em boa companhia.
– Em boa companhia? Eu não sei, Mari. Eu não sei mais.
Mariana riu e fechou os olhos por um instante.
– Você não sabe? Como assim, Júlia? E a nossa conversa de ontem? E as nossas conversas do mês inteiro? E aquele e-mail?
O pai suspirou.
Júlia olhou para ele. Para os cabelos todos brancos. Para o colarinho meio para dentro e meio para fora do suéter. Para as mãos entrelaçadas no colo, cobertas de vincos e manchas escuras. Desde quando elas tinham aquelas manchas? Será que o pai se queimara no fogão? Era sempre a mãe quem acendia o fogão e alimentava a chama no decorrer do dia. E agora aquelas manchas.
Júlia sentiu a força das mãos segurando sua cintura para que não caísse dos patins. Sentiu o calor delas quando seguraram as suas no dia de assinar a separação. Sentiu até o tapa que levou na bunda no dia em que empurrou Pedro pela escada por causa da boneca que ele cortara os cabelos.
Agora as mãos carregavam as duas alianças. A grande no anelar, no qual tinha lugar marcado. A pequena no mindinho. Tentando encaixar-se. Incomodando a cada tarefa. Estava ali. Talvez por isso o pai tivesse se atrapalhado e se queimado no fogão.
– Júlia – o pai disse.
Os três olharam para ele. Para o pai de olhos vermelhos e mãos entrelaçadas. Júlia entendeu a raiva da Mariana. O terror do Pedro. Não era o pai.
– Sim, pai? – Mariana interrompeu.
– Será que eu vou gostar? – ele perguntou sem desviar de Júlia.
Júlia sorriu. Desenlaçou as pernas. Sentiu os lábios formigarem. Não tinha dúvida.
– Não, pai. Você não iria gostar nenhum pouco.
Parabéns, Camila, bacana mesmo o teu conto.
ResponderExcluirAgora, teria sido Júlia a amiga imaginária da Mariana?
Almiro ("mecânico")