28.6.13

Tompa?

Tompa pa mim?

Ele pede, apontando o dedinho gorducho para o helicóptero que sobrevoa suas cabeças.

As pessoas apressadas pela rua, os comerciantes baixam as grades quase duas horas mais cedo, as velhinhas já espiam pelas janelas. Na contramão, os jovens. As bandeiras, o colorido, a excitação.

Diz que hoje vai ser maior.
            
Ela o puxa pela mão enluvada e entra no boteco. Ele ainda vem com o dedinho esticado em direção ao céu. Tão engraçadinho com aquele gorro de orelhas de elefante. Tompa pa mim, ele repete mais uma vez, e aquela é a primeira frase que ele conseguiu articular sozinho na sua curta existência. E desde então, é isso.
            
Às vezes ela se pergunta onde foi que errou, mas não vai muito longe na pesquisa autobiográfica: é melhor deixar como está para não levantar a merda toda. É a vida, e não tem como revolucionar esse dia após dia para cima e para baixo com ele nos braços, nos ônibus lotados nas idas e nas voltas da escola, nas emergências lotadas nas noites de crise de asma, no boteco ainda vazio no final deste dia em que ela finge que não o vê girar freneticamente sentado no banco alto em frente ao balcão. Ele gira como as hélices de um helicóptero. Ele gira enquanto ela toma uma cerveja, enquanto o garçom puxa um papo bobo, mas que de repente a agrada, enquanto ela tenta ignorar a existência dele no banco ao lado do seu. É só uma cerveja. O tempo que ele leva para ficar tonto e pedir telo ir pa casa, mãe cem vezes por segundo, e é o mesmo som do helicóptero que sobrevoa as suas cabeças e faz do final daquele dia uma trincheira pela qual ela não pode avançar sozinha. Se vier uma bomba, ela deve se jogar na frente dele. Se só tiver um lugar no bote, ela deve ceder para ele. Se for abandonada, ela deve seguir com ele, por ele, para ele, aquele seu pequeno elefante branco. Quando ela o descobriu já era tarde. O Wagner já ia longe com a Emília. O dono do boteco anuncia que já vai fechar.
            
Diz que hoje eles vêm pra esse lado.
            
Ela paga a cerveja. É só uma. Será que ainda tem ônibus? O helicóptero ainda está lá em cima.  
           
Tompa, mãe. Tompa, poi favoi.
            
Ela deposita na mãozinha aberta dele o troco de vinte centavos. Uma das orelhas fica sempre meio caída. Tão engraçadinho. 

Um comentário:

Coisa boa saber tua opinião.

não se nasce mulher, torna-se mulher [simone de beauvoir]