14.3.13

uma longa (e até agora infinita) história do mundo


É porque deus nos criou um ser que sangra, a cada ciclo, todo mês, sempre que não há cópula culminando em prenhez. É porque deus nos fez esse ser pra dentro, embutido, rasgado e fundo, nos lançou no mundo, nos precipitou no deserto. É porque nos arrastamos sangrando até a cidade dos homens, e eles que até então só haviam avistado as hastes balançantes (duras, gospem substância clara e viva), apavoraram-se com o que há de morto e vermelho em nós, que simplesmente sai, sem esparro, sem força, surtaram diante de nossos buracos dos quais as outrora poderosas hastes não encontram nunca o fim, entraram em pânico generalizado diante da possibilidade de os engolirmos inteiros, esses histéricos. É porque nos escravizaram, nos rotularam para que não se confundissem, as de buraco mais profundo e as de buraco menos profundo, buraco inominável, e nos deram vassouras para segurar, e filhos para mamar, e se tornaram também nossos filhos para nos ocupar, e nos fizeram mães com deveres e culpas, e nos culparam por tudo. É porque nos fazendo mães do mundo, culpadas também pelo mundo, deram um sentido ao nosso sangue escorrido, e combinaram entre eles esse sentido num pacto silencioso e pérfido, que agora eu estou aqui, escolhendo um absorvente fino e discreto, com odor de camélias, com cobertura suave, noturna e suave, com abas flexíveis, pra homem nenhum de jeito nenhum descobrir que vejam: ela está menstruada. Ela já pode ser uma mãe. Peguem-na.

Um comentário:

Coisa boa saber tua opinião.

não se nasce mulher, torna-se mulher [simone de beauvoir]