12.10.07

ossos duros de roer

A frieza é uma coisa que ainda me choca nas pessoas. Não canso de ver gente fria por aí. Parece que todos os horrores humanos não são suficientes para me convencer. Eu ainda fico arrasada com a incapacidade de sentir.

Não falo do terrorismo nem dos crimes hediondos. Falo de mim e de ti. Da minha e da tua frieza. Da nossa constante falta de sentimentos. Do nosso horror à fraqueza. Da nossa ininterrupta mutação em seres desabilitados para o amor.

Tu não chora. Nunca. Não há Cristo que te faça padecer. Nenhum drama terrestre te inspira. Nenhum sofrimento carnal te move. Nem doentes. Nem miseráveis. Nada. Nada de humano te abala. Muito menos um coração rasgado. Um coração rasgado qualquer.

Eu choro. Sempre. Não há Cristo que me faça parar. Sinto pena infinita do mundo decadente. Da humanidade suicida. Do tempo que acaba a toda hora. Da vida que se devora. Do meu próprio medo ridículo de não querer terminar.

Não há chances. Juntos somos a menor unidade da raça humana. Em nós começamos e em nós acabamos. Somos a amostra da vida e, se não podemos, ninguém pode. Se não podemos chorar ou não chorar pelo que é de verdade, ninguém mais pode. Ninguém conseguirá. Deus colocou apenas em mim e em ti as razões. Nós as conhecemos e nós as ignoramos: optamos por chorar e não chorar pelo que somos.

Tão mais humano.

***

É claro que já assisti Tropa de Elite. Um grande filme, em minha opinião. Eu sei que brasileiro tem mania de fazer filme sobre desgraça. Fome, miséria, sertão. E sei que a Globo gosta de fazer novelas virarem filmes, só para o povo variar um pouco o tamanho do Fábio Assunção. Então, é lógico que sei que Tropa de Elite fala de umas das nossas maiores desgraceiras: drogas, favelas, polícia e traficantes e, de quebra, tem o pop star do momento: Wagner Moura (que nenhum intelectual esqueça que ele foi o vilão da última novela das 8).

Só que Tropa de Elite é diferente. Primeiro, porque fala da nossa desgraça sem querer nos comover. Segundo, porque o Wagner é o cara. Sério: ele é o cara.

O filme não tem nenhuma novidade. Mesmo. Poxa, quem ainda não sabe que a sua macoinha de cada dia sustenta uma bandidagem inimaginavelmente cruel, desumana e armada? Quem ainda não sabe que a população das favelas é refém da pior espécie que Deus (não, eu não tiro a culpa dele)enfiou neste mundo? Quem ainda não sabe que milhares de crianças trabalham, vivem e morrem no tráfico? Quem ainda não sabe que a nossa polícia é infestada de corrupção? Quem, a essa altura do campeonato, não sabe que nós vivemos no inferno por conta do tráfico de drogas? Sei lá. Deve ter alguém por aí que não assiste nem lê jornais, que não sai às ruas, que perdeu Falcão - Os Meninos do Tráfico (que até o Fantástico passou); alguém que um belo dia vai assistir Tropa de Elite e dizer “bah, capaz que é assim”.

É.

Não tenho muito que dizer sobre o filme. Apenas que eu gosto muito de ver pessoas talentosas reunidas fazendo o que têm que fazer. Acho que o Brasil ainda está distante do cinema-arte, mas também acho que, antes de sermos artistas, temos muitos assuntos para discutir e muitas causas pelas quais lutar. Não adianta, o País precisa de guerreiros (da justiça) em todas as áreas; ainda não podemos nos dar ao luxo da arte pela arte, pela sensibilidade, pela beleza... Até porque não as conhecemos pessoalmente.

Assistam ao filme, então.

Um comentário:

  1. achei tropa de elite chato, pedante e manjado. todo mundo sabia que foi o capitão nascimento que matou a taís, irmã da ruthinha. e não acho que arte e "engajamento" precisem estar separados. a guernica, por acaso, não é arte?

    beijo

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não se nasce mulher, torna-se mulher [simone de beauvoir]