9.10.07

amor além, muito além da monogamia

Pior do que não entender nada sobre a própria existência é morrer louco por causa disso. E eu sei que aconteceu com um monte de gente por aí. Às vezes fico pensando se há a possibilidade de acontecer comigo, porque a minha cabeça é uma fonte inesgotável de paranóias existencialistas sem base nem organização, apenas um caos dolorido por todos os lados.

Ontem, assisti o Marília Gabriela Entrevista, no canal GNT. Ela entrevistou uma terapeuta de casais, Lidia Aratangy, e a conversa foi muito boa, pois já começou com a doutora contando sobre a primeira leitura que fez na vida: O Sítio do Picapau Amarelo. Só isso já bastaria para eu querer assistir ao programa e também querer me tratar com a tal da mulher. Alguém quer um currículo melhor para um profissional do que ter lido O Sítio do Picapau Amarelo na infância? (É pena que nenhum dos meus entrevistadores de emprego jamais utilizou esse critério.)

Lá pelas tantas, é claro que as duas falaram sobre monogamia. O que faz uma pessoa ser monogâmica? É viável uma pessoa ficar com outra – exclusivamente com outra – uma vida inteira? É humanamente possível viver com a mesma pessoa para todo o sempre?
Bem, está aí uma questão realmente complicada. Eu gostaria de ser hipócrita o suficiente para dizer, segura e sorridente, que sim, com certeza absoluta uma pessoa pode viver com a mesma outra pessoa para todo o sempre. Basta amá-la. Se não consegue, é porque não ama.

Seria hipocrisia, sim, não porque eu não ame uma pessoa, mas porque eu amo uma pessoa e gostaria que ela jamais me traísse ou desejasse uma outra por aí. Eu poderia dizer “querido, se você realmente me ama, se esse sentimento que você diz que sente é verdadeiro, se você tem um pingo de caráter nesse corpo, é lógico que ficará comigo para sempre”.

Cairia bem para o meu tipinho.

Mas não. Eu não faço isso porque sei que a questão é outra: se alguém pode ficar com alguém forever não é o problema, o problema é se alguém pode ficar comigo pela miséria de eternidade que me resta.

É muito assustador pensar se ficaremos juntos para sempre. É muito assustador pensar no para sempre quando o citamos tão explicitamente. Para sempre tem o peso de um piano caindo em nossas cabeças enquanto caminhamos displicentemente pela calçada. Para sempre tem um gosto estranho. Uma cor estranha. Para sempre tem mesmo um cheiro muito, muito bizarro.

E então a Dra. Lidia disse que a raiz do problema não está no “para sempre” e sim, no “a mesma pessoa”. Como assim a mesma? Quem disse que é a mesma? Ela perguntou para a Marília Gabriela: quando você vai dormir você é a mesma pessoa que acordou na manhã daquele mesmo dia?

Não. A Marília não é. Nem ninguém é. A Marília acorda faceira com o Gianecchini do lado e vai dormir achando aquilo meio chato. A Marília acorda achando que o pior já passou e vai dormir sabendo que vem mais chumbo grosso. A Marília acorda na maior disposição e vai dormir com a maior gripe. A Marília acorda achando que o dia vai ser normal e vai dormir pensando na proposta milionária que recebeu. A Marília acorda loira e vai dormir meio ruiva. A Marília muda todos os dias e todos os dias mudam Marília, porque ninguém casa com alguém hoje e continua sendo exatamente a mesma pessoa cinqüenta anos depois.

Viver é mudar o tempo todo, mesmo que nem se perceba, mesmo que passe a vida tentando manter-se exatamente o mesmo. Viver juntos para sempre não tem nada de estático, conforme a doutora. Viver juntos para sempre é ter a oportunidade e o prazer de acompanhar a existência de outra pessoa, o desenrolar de outro ser, a fantástica experiência de interagir com outra vida a ponto de modificá-la e absorvê-la intrinsecamente. Porque ninguém é o mesmo por toda a vida.


Aí a minha cabeça foi além da doutora Lidia, da Marília e da monogamia e investiu pesado na vertente existencialista do assunto:

E se viver para sempre com a mesma pessoa for a única chance de não sermos apenas o nada antecipado (cadáver adiado de Pessoa que povoa meus pesadelos), o nada que fala, come, anda e sente tesão? E se viver para sempre com a mesma pessoa for a prova de que deveríamos mesmo existir e que essa resposta deveria nos bastar, se não fosse o nosso absurdamente desenvolvido senso de insatisfação? E se viver para sempre com a mesma pessoa for a única chance que temos de nos agarrarmos à vida e de conseguirmos dissecá-la, penetrá-la, senti-la verdadeiramente antes que nos escape... para sempre? E se viver para sempre com a mesma pessoa significar morrer menos e mais lentamente a cada dia?

Isso resolveria o meu problema.

Um comentário:

  1. Oi Camila!
    Lembra de mim da UERGS?
    Continuo lendo teu blog, que continua ótimo!
    Com esse talento pra escrever tu vai longe, parabéns!
    Um grande beijo
    Andiele

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não se nasce mulher, torna-se mulher [simone de beauvoir]