15.8.07

Família Adotada (ou Só sendo mesmo o Filho do Coração)

Tem gente que chama melhor amigo de irmão adotivo. Mas não é não. Irmão adotivo é muito melhor.

Eu sempre achei muito bonita esta história de adotar uma criança e amá-la como se fosse filho nascido da própria barriga. Tem gente por aí que não ama nem os filhos da própria barriga. Do próprio sangue. Pois é. É bonito à beça amar uma criança que não foi fabricada por você. Mas, pensando bem, amar uma criança não é um sacrifício. Não é difícil. Não é uma luta. Amar uma criança é amar e pronto. A gente não vive se apaixonando por adultos, que são muito mais complicados? Amar uma criança é, como dizemos aqui no Sul, uma barbadinha.

Complicado mesmo é o lado da criança. Muita loucura ir parar no meio de uma família que você nunca viu. E tem pai e tem mãe e tem avós e tem primos e tem uma porção de gente nova para aprender a gostar. Todos dão palpite, todos julgam, todos acham que podem opinar. Uns gostam, outros não. Uns torcem o nariz. E poucos, muito poucos, fazem igual. A pobre criança tem que ter um coração do tamanho do mundo para entender, aceitar e perdoar tudo isso (graças a essas minhas conclusões, hoje, finalmente entendo porque o irmão adotivo é apresentado como o filho do coração. Na época, cheguei a desconfiar que meus pais não me amassem muito. Coloquem-se no meu lugar: soava muito mais caloroso ser o filho do coração do que o da barriga...).

E o pior de tudo que a criança enfrenta quando cai de pára-quedas em um novo e distinto seio familiar é que, às vezes, na tal da família existem irmãos. Todo mundo sabe como é ruim enfrentar concorrência. Na amizade tem concorrência, no amor tem concorrência, na escola tem concorrência, no vestibular tem concorrência, no mercado de trabalho tem concorrência, na entrevista de emprego tem concorrência, no emprego propriamente dito tem concorrência. Um porre. E lá vai a criança entrar em uma família já formada, com irmão nascido da barriga e tudo. Ô concorrência desleal!

Bem, eu sou uma irmã da barriga. E repito que irmão adotivo é muito melhor que melhor amigo. Amigo a gente escolhe do jeito que a gente quer. Meio parecido, que pensa meio igual, que gosta mais ou menos das mesmas coisas, dos mesmos lugares, dos mesmos outros amigos, dos mesmos tipos de filmes e, principalmente, de namorados bem diferentes. Já irmão adotivo vem totalmente na expectativa. Ele não sabe nada da gente. Ele não sabe se vai gostar da nossa comida. Dos programas de TV que assistimos. Da decoração da nossa casa. Da escola que estudamos. Das roupas que costumamos comprar. Da nossa organização. Da nossa educação. Dos nossos hábitos. Do nosso modo de ver o mundo. Do nosso modo de nos colocar no mundo. Da nossa maneira de amar. Das nossas tradições familiares. Do jeito que a gente é. Irmão adotivo chega tendo que administrar tudo isso e, cá entre nós, não tem nenhuma obrigação, já que nem filho da barriga ele é.

Irmão adotivo é muito melhor que melhor amigo porque - além de amar a gente apesar de todos os pesares – adota até a nossa cara.

* imagem da série Família Buscapé (ou será do meu álbum?)

5 comentários:

  1. oi...
    coincidências?? não, elas não existem.
    adorei o texto de irmãos. é muito real.
    beijos. te espero amanhã.

    ResponderExcluir
  2. Eu adorei o teu texto.

    Que surpresa fantástica. O teu ponto de vista é sempre uma delícia de se ler.

    Caio

    ResponderExcluir
  3. Adorei querida, vejo o comentário do Caio aqui em cima e concordo plenamente com ele! E não é que eles adotam a cara da família mesmo?
    Grande beijo procês!

    ResponderExcluir
  4. Humm!!!Parece história da minha vida este texto maravilhoso!!!Mas te digo filha que, além da barriga,tu és filha de todo meu ser.Te amo muito. Ligia.

    ResponderExcluir
  5. Eu ja nao sei se cai de paraquedas na familia ou se a familia pousou no meu aeroporto, o que sei `e que nossa familia ja estava tracada antes mesmos de nascermos e que viriamos para completar um aos outros. Qto a concorrencia nunca vi minha irma como concorrente, ate porque tu sempre se destacou em tudo, eu via sim uma grande amiga irma a quem eu queria aprender cada coisa que ela pudesse me ensinar, cada gesto, cada palavra, ou ate mesmo por ser tao decidida e nunca aceitar um nao como resposta final, eu me orgulhava da tua coragem de sempre questionar o que nao lhe era certo, por isso e por tudo te amo ... bjs cristiano ( Desculpe os erros de digitacao mas aqui no chile o teclado `e em espanhol )

    ResponderExcluir

Coisa boa saber tua opinião.

não se nasce mulher, torna-se mulher [simone de beauvoir]