10.7.07

arquivos março 2005

O OUTONO
Amanhã é sexta-feira Santa, dia em que inevitavelmente ficamos um pouco mais quietos, um pouco mais distantes, um pouco mais comovidos com os males do mundo. Aqui no sul o friozinho já está dando as caras, o céu está todo cinza e as nuvens carregadas. O outono já chegou em Porto Alegre e é tudo lindo ao meu redor.
Adoro verão, sol, calor, roupa fresca e colorida, pele dourada, céu azul, praia no final de semana, banho frio pra refrescar, mas é bom quando o outono se aproxima, todo amarelo e dourado e laranja, todo vento e folhas caídas.
Talvez tenha sido exatamente assim o dia em que Jesus foi à cruz levando com ele, dentro do seu sagrado coração, cada um de nós. Porque certamente não foi aquele um dia florido de primavera, nem um dia festivo de verão, nem um dia escuro de inverno. O dia da morte de Jesus deve ter sido um dia de outono, um dia em que um vento nem quente e nem gelado deve ter soprado para acalmar sua feridas.
Amanhã é feriado e vão ser três dias pra curtir a entrada da estação mais delicada do ano, onde todos ficamos mais serenos, mais pensativos, mais profundos. Talvez pelos tons da natureza, talvez pelo clima nem lá nem cá, quase lá, mas ainda não tanto.
O outono nos faz lembrar de pegar um casaquinho pela manhã e assim passamos o dia todo enrolados nele, colocando e tirando, entendendo melhor como funciona o termostato do nosso corpo. O outono nos faz voltar a tomar um café com leite quentinho ao acordar, um chimarrão no meio da tarde e um chazinho antes de dormir.
Tudo, então, acontece aos poucos, bem aos poucos, porque já estamos cansados do calor infernal que fez há dias atrás, mas ainda não ansiamos pelo frio solitário das geleiras. Pode chover, é claro, chuva é dádiva, chuva limpa, chuva faz viver. Nós que estamos sendo tão massacrados com a seca esperamos que o outono não faça por menos e chova até lavar tudo, até lavar a alma do mundo.
O que queremos mesmo é esse tempinho ameno, esse friozinho de noite, essa vontade de comer um chocolate vendo TV. E por falar em chocolate, como eu já disse, domingo é Páscoa, dia de presentear com doçuras as vidas daqueles que amamos.
Por isso este post.
Feliz Páscoa para todos!!!!
28.03.2005

Fernando Pessoa e eu.
Conheci Fernando Pessoa quando eu tinha 18 anos. Foi meu pai quem nos apresentou. Comecei a ler por acaso, pois nem sabia nada sobre ele, sobre sua vida, sobre seus mistérios. Era um daqueles nomes que eu havia estudado no colégio, que fazia parte de uma época, de um período, de um estilo, tudo definido, organizado e catalogado nos anais da História. Eu nem imaginava que Ricardo Reis era Fernando Pessoa. Que Álvaro de Campos era Fernando Pessoa. Que Fernando Pessoa era Fernando Pessoa. Mais do que isso: que Alberto Caeiro era.
Li Fernando Pessoa quando eu tinha 18 anos, eu era uma menina e reparem que eu não disse apenas uma menina, pois uma menina já é o todo. Ali, naquele instante, naquela primeira página, tudo o que era fumaça em mim virou fogueira e eu enxerguei a forma concreta que tinham os meus pensamentos.
Eu me vi em Fernando Pessoa. E não porque eu era boa o suficiente para isso, mas porque ele era suficientemente singelo. Meus pensamentos mais infantis, meus medos, minhas dúvidas, meus amores e meus ódios, minhas brigas prematuras e imaturas com a Igreja e, por que não, com Deus, minhas dores imensas e minhas delicadas alegrias, minha leveza sempre tão pesada de ser carregada e meu peso leve, tão leve, constantemente a flutuar. Eu estava em cada linha que os meus olhos percorriam, minha alma se desdobrava a cada palavra, em cada poesia meu coração se revelava e se tornava ainda maior e mais profundo.
Toquei Fernando Pessoa quando eu tinha 18 anos, talvez porque essa seja a idade em que crescemos, talvez porque era parte do meu crescimento. A verdade é que Fernando Pessoa, mais cedo ou mais tarde, em um momento ou em outro, sempre se mostra para quem deve conhecê-lo. E não é necessário buscá-lo. Ele vem para tomar posse do lugar que é dele. Porque existem alguns lugares que são dele. Em algumas pessoas. Não as que são escolhidas, mas as que o aceitam. Eu ainda pouco sei de sua vida. Menos ainda de seus mistérios. Vislumbro, ao longe, o seu esoterismo e o seu poder, sem alcançar. Mas o que sinto me inunda.
Aceitei Fernando pessoa quando eu tinha 18 anos e, desde lá, sempre que falo em Amor e em Deus minhas palavras passam por ele. Não porque ele me ensinou, mas porque disse que eu poderia.
"Ele dorme dentro da minha alma
E às vezes acorda de noite
E brinca com os meus sonhos.
Vira uns de pernas para o ar,
Põe uns em cima dos outros
E bate as palmas sozinho
Sorrindo para o meu sono."
(Alberto Caeiro - O Guardador de Rebanhos)

Dia da Mulher, pode pegar pra você!
Eu decidi abrir mão do Dia da Mulher. Decidi mesmo. Por vários motivos. Alguns bons e outros ruins. Alguns prós e outros contras. E eles vão além da simples papagaiada de existir um dia especialmente para a mulher. Eles invadem a filosofia (pelo menos a minha) e nem sei aonde vão parar.
Abri mão do Dia da Mulher porque não mereço ter um dia só pra mim. Falando sério. Ando em falta com os meus deveres. Ando medrosa, preguiçosa e exausta. Ando difícil de encarar. Ando frágil demais, carente demais, cheia de vontades demais. Ando envergonhando a categoria. Não sei bordar, pintar, nem cozinhar, mas, em compensação, não vejo mal nenhum no meu marido me sustentar. Ando tão insegura e nervosa que qualquer palavra ríspida, qualquer olhar enviesado e qualquer silêncio tenso me fazem chorar. Ando tão sem ânimo, sem força, sem garra que o Milton esconderia a Maria de mim, temendo que eu a contaminasse. Fé na vida, eu? Põe mania estranha nisso.
Abri mão do Dia da Mulher porque não mereço ter só um dia pra mim. Afinal, mesmo quando sinto medo, quando estou cheia de preguiça, quando meu corpo e minha mente exaustos não suportam mais dar um passo adiante, eu vou. Mesmo quando não estou com saco de encarar o mundo e muito menos de ser encarada por ele, eu saio. Mesmo quando minha fragilidade é tamanha que mal posso ficar em pé, quando minha carência é tal que nenhum abraço é suficiente, quando minhas vontades são tantas e tão complexas que nada nem ninguém podem resolver, por mais que tentem, eu existo, eu continuo existindo. Mesmo não tendo dons manuais, eu me viro como posso. Invento. Mesmo não conseguindo ser independente, eu abro mão. Aceito. Mesmo sendo o tempo todo puxada para baixo por uma força que não se chama gravidade, que me faz pensar que não sou capaz, que não vou alcançar, que é demais pra mim sonhos tão enormes quanto os que carrego; mesmo chorando, mesmo tremendo, mesmo louca pra desistir, eu sigo em frente! E além de tudo o mais, mesmo cansada de ter que sempre acreditar no que não enxergo e de caminhar vendada em direção a um final inconcebível... Eu vivo. Ô, se eu vivo.
Portanto, concluindo todo esse raciocínio que por vezes soou insano e contraditório aos meus próprios ouvidos, abro mão do Dia da Mulher, pois eis que eu, como mulher, sou humana, capaz de coisas humanas, nem mais e nem menos do que isso, nada mais do que pode qualquer outro humano, seja ele macho ou fêmea, pois estou convencida de que as distinções se diluem no oceano do viver.
E depois, coitadinhos dos homens, eles não têm dia nenhum, só um singelo Dia dos Pais, que deve, antes de tudo, obrigatoriamente, passar pelo aval de uma Mulher.

Roda tão Viva

Roda-Viva
Chico Buarque

Tem dias que a gente se sente
Como quem partiu ou morreu
A gente estancou de repente
Ou foi o mundo então que cresceu
A gente quer ter voz ativa
No nosso destino mandar
Mas eis que chega a roda-viva
E carrega o destino pra lá
Roda mundo, roda-gigante
Roda-moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração
A gente vai contra a corrente
Até não poder resistir
Na volta do barco é que sente
O quanto deixou de cumprir
Faz tempo que a gente cultiva
A mais linda roseira que há
Mas eis que chega a roda-viva
E carrega a roseira pra lá
Roda mundo (etc.)
A roda da saia, a mulata
Não quer mais rodar, não senhor
Não posso fazer serenata
A roda de samba acabou
A gente toma a iniciativa
Viola na rua, a cantar
Mas eis que chega a roda-viva
E carrega a viola pra lá
Roda mundo (etc.)
O samba, a viola, a roseira
Um dia a fogueira queimou
Foi tudo ilusão passageira
Que a brisa primeira levou
No peito a saudade cativa
Faz força pro tempo parar
Mas eis que chega a roda-viva
E carrega a saudade pra lá
Roda mundo (etc.)

Esta música é tão fascinante e incrível que causa arrepios apenas lê-la, assim, como a uma poesia. Repare bem: lê-la em voz alta, é preciso lê-la em voz alta, como a tudo que é belo, como a tudo que é definitivo. Leia, um trechinho só, ao menos, já será suficiente, pois não é possível alcançar a verdade de um texto sem cantá-lo aos ouvidos, sem entoá-lo ao coração.
Ainda mais, meus amores, se o autor da poesia-canção, for Chico Buarque de Holanda.
Eu nunca assisti à peça para qual a música foi feita em 1967, não sei exatamente as razões e inspirações de tamanha obra-prima, mas isso não é um problema, pois a poesia é eterna pelo simples fato de ser viva, aberta, disposta a tudo e a todas as interpretações. Qualquer um, em qualquer tempo, poderá ler Roda-Viva e imaginar o que é a Roda-Viva, a Roda-Viva do Chico ou a sua própria Roda-Viva.
Cada vez mais eu penso que em se tratando de uma obra literária é impossível conhecer o autor pelo seu texto. Para quem pensa que Chico Buarque era um rebelde que queria mudar o mundo, engana-se, hoje ele nem sabe mais porque escreveu tudo isso, nem lembra o que significam as metáforas fantásticas que tanto utilizou, confessa que nunca escreveu indiretamente para ninguém, que era apenas jovem, apenas artista e que, pasmem, se considera muito melhor hoje do que naqueles tempos. E aí? Vocês podem afirmar que conhecem o dito cujo?
Não, não podem. Um escritor, na hora em que escreve, sofre mil influências diferentes, ele pode ser qualquer coisa naquele momento, inclusive ele mesmo. Assim como ele pode muito bem encarnar um personagem e escrever pela sua voz. E nunca saberemos quem ele é.
Agora, se o texto não nos permite conhecer o seu autor, nos dá pistas concretas de quem seja o seu "oponente", o digníssimo leitor.
Se você pegar um texto como "Dom Casmurro", o que se vê de Machado de Assis? Que ele era irônico? Mordaz? Cético? Frio? E se não fosse? Machado era muito bem casado e aparentemente feliz. Por que, então, destruiu tantos romances? Porque ele era um escritor, o deus do seu mundo, o cara que podia fazer simplesmente o que bem entendesse. Quanto aos leitores, neste caso, ah, neste caso vemos bem quem é o fraco, quem é o forte, quem é o ciumento, o liberal, o machista ou o moderno. Bentinho é o típico personagem que nos faz expor o que há de mais obscuro em nossa alma. Ser contra ou a favor das atitudes de Bentinho define o nosso caráter. Que medo...
Roda-Viva é o que move o mundo. Nada está certo, nada está decidido, nada está ganho ou perdido. Nós vivemos na Roda-Viva, no meio dela, somos sacudidos, arremessados, revirados a todo instante por ela. Mesmo quem foge, quem se esconde, quem se agarra nas engrenagens em busca de segurança, um dia é pego e aí o nada vira tudo e o tudo deixa de existir.
A Roda-Viva é a verdade que nos empurra pra frente, que não nos permite ou, ao menos, nos aconselha a não apegar-se às pequenas coisas, porque as pequenas coisas são as primeiras a serem levadas pelo turbilhão.
Roda-Viva é o que ensina que a morte é iminente e não há tempo a perder. Isto é a Roda-Viva pra mim. Cabe a vocês avaliarem um pouco da minha personalidade através da interpretação que fiz. Acreditem, tem muita coisa aí!

Closer... na maior parte do tempo.

Blower's Daughter
Damien Rice

And so it is
like you said it would be
Life goes easy on me
Most of the time so it is
The shorter story
love, no glory
No hero in her sky
can't take my eyes off of you
I can't take my eyes off you
I can't take my eyes off of you
I can't take my eyes off you
I can't take my eyes off you
I can't take my eyes...
And so it is
Just like you said it should be
We'll both forget the breeze
Most of the time
And so it is
colder water
blower's daughter
The pupil in denial
I can't take my eyes off of you
I can't take my eyes off you
I can't take my eyes off of you
I can't take my eyes off you
I can't take my eyes off you
I can't take my eyes...
Did I say that I loathe you?
Did I say that I want to
Leave it all behind?
I can't take my mind off of you
I can't take my mind off you
I can't take my mind off of you
can't take my mind off you
can't take my mind off you
can't take my mind... My mind...my mind...
'Til I find somebody new

Esta é a letra da música do filme "Closer". Quem assistiu deve imaginar porque ela está aqui e o quão marcante ela pode ser. Quem assistiu conhece a contundência destas palavras... O choque deste ritmo...O arrepio desta voz. Eu bem que gostaria de falar do filme. Gostaria mesmo. Mas como?
Eu tive raiva muitas vezes enquanto assistia. Chorei. Me deprimi. Não sorri em nenhum momento. Cheguei a ficar nervosa. Quase terminei meu relacionamento ali mesmo, de qualquer jeito, desesperada para não passar por nada, absolutamente nada daquilo.
Saí do cinema muda.
O que falar de "Closer"?
Ele não é o retrato da minha vida. Eu não sofri uma catarse ao assistí-lo.
Mas eu estive nele em muitos momentos. Em muitos pensamentos calados. Em muitas brigas absurdas. Em muitas perguntas despropositadas e curiosidades doentias. Em muitos detalhes escondidos. Em muitas carências e infantilidades. Em muitos medos. Em muitos, muitos medos. Mas eu estive, sobretudo, na música. Na música que caminha comigo pelas ruas, em meio a uma multidão que não sabe meu nome, nem meu sonho, nem se importa com isso. A música que abre e fecha o filme de uma maneira surreal de tão intensa, porque então é isto, é isto mesmo, a vida é isto, nós escolhemos, nós queremos, nós somos.
O que os outros sabem de nós? Mesmo os que estão ao nosso lado, que nos amam, que amamos, o que sabem de nós? O que queremos. Só o que queremos. E é aí, exatamente aí, que nos perdemos.
Nós decidimos o que mostrar assim como decidimos o que olhar. "Closer" sabe disto e nos expõe assim, cruamente, explicitamente, o quanto manipulamos este livre arbítrio que recebemos. Perto demais, diz o filme, talvez não seja um lugar seguro. Mas, para mim, deveria ser.

O DESPERTAR
É sempre lindo despertar. Acordar pela manhã, ou seja lá o momento em que você desperta, abrir os olhos devagar, ou seja lá a pressa que você tem, respirar conscientemente depois de horas e inconscientemente pensar: estou vivo.O sono é a pequena e diária morte que vivemos.
Ao despertar, ressurgimos, ressuscitamos, renascemos. Ao despertar, escapamos do vazio e do escuro para estar outra vez aqui, no mundo, para ter outra vez uma chance de fazer o que não fizemos, de perdoar quem não perdoamos, de amar quem e o que não amamos, de ser o que queríamos, mas não fomos. Ao despertar, recriamos o milagre e seguimos nosso ritual de sempre, achando, ao primeiro momento, que será um longo dia e tendo certeza, ao final, que passou rápido demais.
Bem, cá está o Mulher de Sardas, despertando de seu sono, deixando para trás a noite que o embalou. O Mulher de Sardas desperta e se espreguiça longamente. Esquece do dia de ontem, porque o ontem acabou. Levanta devagar, hesita um pouco ainda sentado entre os lençóis, coça os olhos remelentos e custa a engrenar. O Mulher de Sardas não sabe o que vai acontecer, mas desperta, levanta, respira, vive. Porque ele sabe que tem que viver.
E você que lê entende do que o Mulher de Sardas está falando. Você que tem no sono o descanso, o alívio, a pausa necessária nesta louca jornada, imagina agora que também pode levantar num outro degrau, num outro tempo, numa outra vida dentro da sua vida. Que também pode fazer da cama o casulo que transforma a lagarta em borboleta e acordar renascido, louco e colorido voando por aí. Você sabe disso e corre para a sua cama.
Ou seja lá aonde você pretende dormir esta noite.

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não se nasce mulher, torna-se mulher [simone de beauvoir]